Racismo e Mimimi Pt. 2: Ué, mas aquele personagem não era branco?





Nota: Essa é a parte 2, pois já fiz um "desabafo" sobre isso aqui, clique para ler.

Você lembra de quando era criança e você queria ser seu super herói favorito?
Bem, nem todo mundo quis realmente ser seu super herói favorito, mas isso é bastante comum.
Isso é tão comum que não se restringe a crianças buscando ser como seus personagens de desenhos, quadrinhos e filmes favoritos.
Adultos também são resultado de todo um processo que faz com que queiramos ter o mesmo status que as celebridades. Somos criados para querer as roupas, os pertences e o status das celebridades e dos grandes personagens do cinema, da TV e das revistas (as comuns e as de histórias em quadrinhos).
Só que essa cultura é tão forte, que incentiva as pessoas a querer ter a vida dessas celebridades. Isso inclui a cultura, a forma de pensar e, na maioria esmagadora das vezes, a aparência. De uma forma geral, por conta de outro aspecto da cultura vigente que daria outro texto, isso é ainda mais forte nas mulheres, mas acontece com homens também e acontece ainda com mais frequência com pessoas que, por conta da cultura da celebridade, não se encaixam no "padrão" de beleza vigente e crescem com baixa auto estima.

Obviamente, os maiores veículos de transmissão da cultura da celebridade que fomenta esse desejo estão na cultura pop em forma de filmes, séries, desenhos animados, histórias em quadrinhos e a indústria musical. É muito ingênuo quem pensa que a cultura pop está livre de ideologia. Um artista sempre coloca sua ideologia em sua arte, consciente ou inconscientemente.
E é exatamente aí que reside a importância do que chamamos de "representatividade".
Por causa dos frutos dessa cultura, muita gente, muita mesmo, cresceu com auto estima baixa por não ser considerado "bonito" o suficiente.
Isso é especialmente verdade em relação aos negros.

"Seu cabelo é ruim", "Ela até que é bonita para uma negra", "Ele é preto, mas é bonito", "Por que você não penteia esse cabelo armado? Está parecendo uma moita", "Aquela é uma negra bonita, ela tem olhos azuis e o cabelo é liso", "Uma cirurgia tornaria seu nariz mais afilado, mais bonito", "Ela é bonita, mas tem um beição, tipo de negro sabe?", "Ah, seu cabelo lembra um poodle!".
Frases assim são tão comuns, tão corriqueiras que ninguém percebe o quanto são nocivas.
Os brancos ou negros que as proferem ou as ouvem, não tem noção do racismo impregnado nas frases. Talvez você esteja lendo e ache um exagero. Mas assim como coisas negativas repetidas a qualquer pessoa de qualquer etnia podem tornar a pessoa acostumada à negatividade, essas frases são frutos da cultura de que os traços africanos mais comuns não são bonitos.
Essas frases dizem basicamente que uma pessoa branca, de nariz afilado, olhos claros e cabelos lisos é obviamente mais bonita que uma pessoa negra, de nariz achatado, olhos escuros e cabelos crespos.

Mulheres também sofrem com isso. O estereótipo da super heroína de cabelos esvoaçantes, seios grandes, pernas bem torneadas e as roupas sensuais e provocantes é apenas um dos estereótipos femininos fomentado na cultura pop que ajuda as mulheres que não possuem seios grandes e cabelos lisos se sentirem inferiores. E embora também exista o padrão masculino que entregue os homens à obsessão pelos músculos - e esse também é um estereótipo ruim para a auto estima de muitos - a cobrança sobre as mulheres é muito maior e as diminui muito mais do que diminui a nós homens, que se fizermos academia de forma saudável seremos homens saudáveis. As mulheres por sua vez, se quiserem aumentar os seios precisam passar por procedimentos cirúrgicos e há uma cobrança sobre elas que não há sobre nós: elas precisam ser sexy. Elas precisam estar sempre bem arrumadas e provocantes, precisam chamar nossa atenção de um jeito que não precisamos.

Não estou dizendo que os autores, desenhistas, diretores, artistas, fazem isso por serem intencionalmente racistas. Não estou dizendo que eles, propositalmente, gostam de fomentar uma cultura que diminui a diversidade e enaltece estereótipos. Mas há um sistema cultural muito maior que eles e do que a gente que faz isso, que não muda de uma hora pra outra, mas que não deixa de ser nocivo para a sociedade. E exatamente por isso o assunto tem sido discutido com frequência. E é exatamente por isso que a parcela militante da população fala tanto sobre representatividade.

Mas uma grande parte das pessoas diz que esse discurso é apenas mimimi. Será?
Veja bem, eu sou seguidor de uma linha de pensamento teológica cristã que prega algo que é diferente do que o pensamento conservador de direita prega, mas também é diferente do que o pensamento de esquerda prega. Há coisas em ambas as linhas de pensamento com as quais eu não concordo e há coisas em ambas com as quais eu concordo. Talvez diriam que meu posicionamento político seja centro-esquerda, mas não sei... Sendo apenas eu, sem essa de posicionamento, eu amo a diversidade, amo a liberdade de expressão, gosto de muitas coisas que o capitalismo me proporciona, sou um comunicador, estudei para aprender a vender coisas. Mas também sou cristão e com o cristianismo bíblico aprendi a ter empatia, a sempre tentar ver o outro lado da moeda.
E no caso, o meu lado da moeda é o lado que faz parte de uma minoria. Sou negro, afrodescendente, com "beição", "nariz de chapoca" e cabelo pixaim.
Eu sei o que é crescer com baixa auto estima por ouvir frases como as que enumerei ali em cima. Sei o que é crescer não conseguindo enxergar pessoas negras como pessoas bonitas, pois o padrão de beleza inclui cabelo "bom". Por saber o que é isso eu sempre tento ver o lado dos outros. Tento ver o lado das minorias oprimidas, como mulheres e homossexuais, e também tento ver o lado da parte da sociedade que não faz parte de nenhuma minoria e não consegue entender o que nós passamos.

Mas coloquemos os pingos nos i's. A polêmica da representatividade sempre vêm a tona em situações em que um personagem branco nos quadrinhos é representado por um ator negro.
Aconteceu com o Michael Clarke Duncan como o Rei do Crime em Demolidor (2003), com o Idris Elba como Heimdall no Thor, aconteceu com o Michael B. Jordan como Tocha Humana no Quarteto Fantástico (2015), e agora se repete com uma polêmica sobre o "L" de Death Note, que aparentemente será interpretado por um ator negro. Uma grande polêmica recente foi a escalação de uma atriz negra para interpretar Hermione Granger, famosa personagem de Harry Potter, na peça "Harry Potter and the Cursed Child". Por dez anos a personagem foi interpretada por uma atriz branca, Emma Watson, nos cinemas. A escalação da atriz negra para o papel no teatro teve o aval da autora dos livros (que também aprovou a escolha de Emma Watson), que afirmou no twitter que nunca havia especificado a etnia da personagem e que a única característica distintiva descrita nos livros eram seus olhos castanhos e cabelos crespos. Mas ainda assim a polêmica prosseguiu.
Claro, há os personagens de menos expressão na mídia original que não deram tanto buzz por isso, o Electro interpretado pelo Jamie Foxx no Espetacular Homem Aranha 2, o Perry White do Laurence Fishburne no Homem de Aço, a Iris West na série Flash, a Alicia Masters na versão de 2005 do Quarteto Fantástico, o Wasabi em Operação Big Hero, ou o Ben Urich na série do Demolidor, ou, mais recentemente o Will Smith como o Pistoleiro de Esquadrão Suicida.


As discussões que essas mudanças geram são muito interessantes para constatar algumas coisas: Quando um personagem branco nos quadrinhos é interpretado por um ator negro nos filmes, a ira dos fãs se levanta contra os realizadores dos filmes ou séries. E essas pessoas geralmente são as que dizem que é mimimi dos militantes esse negócio de representatividade. Essas pessoas geralmente também dizem que é mimimi dos militantes quando um ator branco é escolhido para interpretar um personagem negro ou de outra etnia.
Não vi tanta gente revoltada com o Ancião oriental interpretado pela caucasiana britânica Tilda Swinton no próximo filme da Marvel, Dr. Estranho quanto vi gente revoltada com o Johnny Storm negro (aliás, a Tilda Swinton pra mim pode interpretar até o Hulk se quiser, achei um máximo fazer o Ancião ser uma mulher, mas não deixa de ser péssimo que fizeram uma mudança de etnia).
E o mais interessante é que, na cabeça das pessoas, personagens negros nunca são interpretados por atores brancos. Um dos argumentos que mais ouço/leio é: "Queria ver se fosse o contrário, seria uma tempestade em copo d'água!"


Pois bem, o contrário acontece, jovens nerds! E acontece desde que o cinema surgiu.
Há dois termos em inglês que se forem "googlados" provarão isso: blackface whitewashing.
Um dos maiores clássicos do cinema, "The Birth of a Nation", foi lançado em 1915 e é importantíssimo para a história da sétima arte. Porém, é um filme polêmico que, por ser fruto da sua época, onde o racismo não era exatamente considerado ruim como hoje, apresenta a Ku Klux Klan como parte da ala "boazinha" de personagens e ainda contratou atores brancos que pintaram suas faces com tinta para fazer o papel de escravos. O filme é um dos maiores exemplos do que chamamos de blackface: pintar a cara de atores brancos para interpretar personagens negros de forma a inferiorizar a raça. Acontece menos hoje, mas até recentemente acontecia com frequência em programas de humor. (The Birth of a Nation ganhará uma espécie de filme-resposta este ano com atores negros no papel dos negros e será contado de uma perspectiva diferente justamente para falar do assunto).



O termo whitewashing serve pra designar personagens de etnias não caucasianas que são interpretados por atores caucasianos em filmes. E isso não ocorre sempre como uma mudança simples de etnia: em vários exemplos de whitewashing, os atores brancos são aproximados da etnia dos personagens com maquiagem, perucas, etc. Mas não deixam de ser brancos.
Tilda Swinton como o Ancião e a Scarlett Johansson como a protagonista da adaptação do game Ghost in the Shell são os exemplos citados no momento. Mas aconteceu com o elenco principal de Exodus - Gods and Kings, por exemplo. E a desculpa é sempre a mesma: o apelo comercial que o elenco principal precisa ter. Como se não existissem atores negros, asiáticos, hispano etc que sejam famosos. Mas existem vários outros exemplos de whitewashing. Jennifer Lawrence como Katniss em Jogos Vorazes (no livro ela é descrita como tendo olhos castanhos e pele morena cor de oliva), Tricia McMillan em O Guia do Mochileiro das Galáxias (no livro ela é descrita como tendo pele escura, cabelos cacheados, lábios carnudos, e nas duas adaptações do filme ela é branca)¹, Karl Urban como o indígena Ghost em Desbravador, Johnny Depp como Tonto em O Cavaleiro Solitário, Rooney Mara como a índia Tiger Lily em Pan, Ben Affleck como Antonio J. Mendez em Argo, Joseph Fiennes como Michael Jackson em Elizabeth, Marlon e Michael, Angelina Jolie como Mariane Pearl em O Preço da Coragem, o elenco principal de O Último Mestre do Ar (adaptação da animação Avatar), e muitos outros exemplos que, se pensarmos retroativamente, veremos que são frutos da mesma cultura antiquada que fez com que Michey Rooney interpretasse o oriental Sr. Yunioshi em Bonequinha de Luxo ou o Laurence Olivier interpretar Othello. Na própria série Harry Potter, que citei acima, a personagem Lilá Brown apareceu em grande parte dos filmes da série quase como figurante e foi interpretada por uma atriz negra. Quando a personagem ganhou destaque no sexto filme, a atriz negra foi substituída por uma loira de olhos claros que esteve nos três últimos filmes da série.

Esses são poucos de muitos exemplos. Portanto o argumento do "e de fosse o contrário" não funciona. E mesmo se fosse verdade, não é a mesma coisa. Com todo respeito, brancos não precisam de representatividade. Eles já possuem de sobra sem precisar de whitewashing.
Até pouquíssimo tempo atrás, os personagens negros eram estereotipados em filmes - a quantidade diminuiu mas é algo que ainda existe, os asiáticos ainda são estereotipados, assim como os hispânicos. Não que não haja os traços culturais comuns dessas etnias. Os negros tem sua cultura nos Estados Unidos, os asiáticos  e hispânicos também possuem sua cultura e ela geralmente é disseminada de uma forma geral. Mas isso não torna todos eles iguais, como se todos fossem o mesmo personagem.

Recentemente, uma famosa página destinada ao público nerd postou um print infeliz de uma entrevista do Lázaro Ramos que dizia que faltavam referências de heróis negros para crianças. Ao redor do print eles colocaram cerca de 20 personagens negros em quadrinhos/séries/filmescom a legenda "Ou é você que não conhece".
Uma legião de nerds aplaudiu o post e eu fiquei pensando sobre ele antes de me expressar.
A primeira coisa que constatei é que os cerca de 20 personagens na postagem eram quase todos os personagens negros de destaque existentes nos quadrinhos/séries/filmes, sendo que nem todos eram super heróis e nem todos eram voltados para o público infantil (Blade e Hancock, por exemplo).
A maioria dos super heróis negros que existem são o estereótipo do negão careca, quase nunca fazem parte da linha principal dos times, e geralmente quando fazem, são o estereótipo do negão best buddy do protagonista branco e a imagem da postagem em questão apenas confirmava isso.
Dentro da categoria "best buddies dos protagonistas brancos" estão alguns exemplos como o Gelado (de Os Incríveis), Máquina de Combate e o Falcão, respectivamente  best buddies do Sr. Incrível, do Homem de Ferro e o Capitão América. A maioria dos outros estão dentro da categoria do negão careca e musculoso que tem destaque, mas que nas mídias de maior alcance quase nunca as histórias giram em torno deles, como o Luke Cage (que não é voltado para o público infantil), o Lanterna Verde John Stewart, o Ciborgue, o Nick Fury, dentre outros.
Além disso eu contei apenas duas mulheres na imagem. A Iris West e a Tempestade. A Iris está sempre com o cabelo escovado e a Tempestade faz parte do grupo de negros com beleza exótica com seus cabelos lisos e brancos e seus olhos azuis.
Alguns personagens negros que foram para o cinema foram mal aproveitados - vide a própria Tempestade ou o Bishop na franquia X-Men.
O Pantera Negra estava lá também, mas ele é um personagem que só se tornará conhecido agora que ganhará seu filme solo. E veja quantos anos esperamos pra ver um herói africano ganhar destaque em alguma coisa!
Talvez a única exceção na imagem fosse o Super Choque.
Há coisas que realmente não fariam sentido. Um ator negro interpretando um nazista por exemplo.
Ou um ator branco interpretando um nativo nigeriano. Mas nunca fez sentido o Othello ser o Laurence Olivier ou o índio Tonto ser o Johnny Depp, fez?
Mesmo assim ninguém reclamou, ninguém falou a respeito.
E são nessas "pequenas" coisas que se mostra como a cultura racista nos afetou. O Quarteto Fantástico é uma família americana, foi criada como uma família americana. Johnny Storm é um playboy mimado nos quadrinhos. Isso seria impensável para um negro quando Stan Lee criou o Quarteto. Mas Kanye West está aí pra provar que no século XXI podem sim existir playboys mimados negros. Não é uma mudança que não faça sentido.
Diante dessa postagem, não pude deixar de lembrar da história de um cara que não gostou da ideia do Johnny Storm negro mas mudou um pouco a mente sobre isso quando viu um menino gritando para o pai no shopping que tinha um super parecido com ele no cartaz.


Em seu discurso de agradecimento ao ganhar o Emmy de melhor atriz em série dramática por How to get Away With Murder, Viola Davis lembrou de todas as poucas atrizes negras que ganharam ou concorreram a prêmios e ainda assim eram descartadas no cinema. Sua frase mais marcante talvez tenha sido: "Não há como ganharmos prêmios por papéis que não foram escritos". A mesma atriz, em entrevista para uma revista, destacou que aceitou o papel, diferente de qualquer coisa que já havia feito, pois era a primeira vez na história da TV americana que ela via uma personagem negra, com 49 anos, tamanho 42 ser a protagonista forte, invejável e desejável de uma série do horário nobre. E isso foi em 2014, dois anos atrás, catorze anos depois do início do século XXI. Seu discurso no Emmy reflete o que acontece em quase todos os prêmios. Halle Berry foi a única atriz negra a ganhar o Oscar de Melhor Atriz em Papel Principal até hoje, depois de 15 anos. Alguns podem dizer que tudo é por conta de mérito, que atores ganham Oscar pelo talento e não por cor.
Seria lindo se o mundo funcionasse dessa forma, mas pense um pouco comigo: você já reparou que é raríssimo ver um negro que seja mau ator, ou mesmo medíocre num filme americano, enquanto existem centenas de atores brancos ruins ou medíocres (que já ganharam Oscars, inclusive)? A maioria dos negros que chegou lá é pq tem um talento inegável, tão inegável que seria feio não colocá-los nos filmes. E uma maioria esmagadora deles entrou em suas carreiras fazendo papeis que não tinham como ser interpretados por brancos, e Hollywood não quer mais escândalos com blackface. A questão é que eles não são indicados... O motivo? Pergunte à Academia. Talvez um dos motivos seja que raramente é oferecido um papel novo, não estereotipado ou já não visto antes. Como disse a Viola no mesmo discurso supracitado: "a única coisa que separa as mulheres brancas das mulheres de cor é oportunidade."



Essa é a importância da representatividade. Eu, como cristão, não acho que devemos nos espelhar nas pessoas famosas e personagens fictícios, temos outro modelo a seguir - e como seguidor e leitor assíduo da Bíblia, percebo que para os autores bíblicos a raça e a cor nunca é importante para definir caráter, dá pra se contar nos dedos quantas vezes características físicas dos personagens são especificadas (Jesus é um dos personagens mais famosos por passar por whitewashing na arte em geral, não há consenso sobre sua etnia, ele poderia ser negro, ter feições orientais ou ser um judeu branco bronzeado de sol, o fato é que as representações dele são quase todas claramente europeias, o que é quase impossível que seja a realidade). Mas ainda assim, infelizmente, vivemos numa cultura onde as celebridades e os personagens famosos ajudam as pessoas a enxergarem um ideal. E se o ideal não representa a todos, cria-se uma doença social que provoca baixa auto estima, depressão, anorexia, preconceito, racismo, machismo, dentre muitas outras coisas. E é por isso que mudar um personagem de branco pra negro talvez seja importante: se isso não ocorresse eu não estaria escrevendo este texto, o assunto não seria discutido e a legião de pessoas que não enxergam a nocividade dessa cultura nunca sairia da sua zona de conforto pra falar a respeito. E nem adianta falar sobre dar destaque em personagens negros que já existem, pelo simples fato de que a maioria deles não possui apelo comercial nenhum - e isso é bastante significativo, não acha?
Quadrinhos sempre sobreviveram inovando, trocando, sendo pra frente, revolucionário, cada coisa de acordo com seu tempo, emitindo posicionamentos políticos, indo desde personagens nacionalistas em tempos de guerra como o Superman e o Capitão América até equipes inteiras como representações de minorias sociais, como os X-Men, passando por fases específicas que faziam alusão direta ao momento histórico em que viviam, como a referência à Guerra Fria e à Corrida Espacial nos quadrinhos do Quarteto fantástico. E ao mesmo tempo em que sempre fizeram isso, nunca ousaram tanto, pois sempre se seguraram com o que era comercialmente viável e mercadológico, afinal, eles têm que ganhar dinheiro sim. Agora que continuam inovando e resolveram dar espaço para as minorias, trocas de manto de grandes heróis que acontecem desde que existem os quadrinhos - Jason Todd/Dick Grayson, Robin/Asa Noturna, Robin/Capuz Vermelho, Peter Parker/Ben Reilly (anos 90) , Steve Rogers/Sam Wilson (anos 70), Stark/Rhodes (anos 90), Hulk/Hulk Cinza, Psylocke Britânica/Ninja Asiática, Homem Formiga, Golias, dentre muitos outros - de repente viraram "ditadura do politicamente correto" (aliás, o termo politicamente correto é extremamente mal utilizado nesse contexto. Politicamente correto é o Steve Rogers, não o Sam Wilson).

Há quem diga que tais mudanças são um desrespeito para com os fãs do material original. Perdoem-me a sinceridade, eu também não gosto quando mudam características físicas dos meus personagens favoritos numa adaptação, mas que gerar discussão sobre racismo, gerar polêmica em torno de um assunto assim, é muito, muuuuito mais importante do que satisfazer os caprichos de fãs mimados.
Felizmente, as produtoras estão percebendo isso de forma mais enfática. Se por ideologia ou apelo comercial eu não sei, mas estão mudando. A equipe dos All New All Different Avengers em 2014/2015 era composta por um Capitão América e um Homem Aranha negros, um Hulk coreano, um Thor mulher e uma Miss Marvel mulçumana. O novo (ou nova) "Homem" de Ferro é na verdade a Mulher de Ferro e é uma mulher negra. (Veja uma lista de personagens que passaram por mudanças de etnia e sexo aqui). Isso é um avanço, é claro, mas é um avanço que está alguns séculos atrasado.
Chamar o tratamento do assunto de mimimi pode ser falta de informação, racismo, ou simplesmente ingenuidade - e definitivamente essa não é uma discussão que deveria ser taxada de esquerdismo só por existir, isso transcende o partidarismo político e muito, trata-se de enxergar a sociedade como ela é.
Porém, mais simples e superficial prova que posso dar de que essa discussão não é tão inválida assim é que se eu fosse um adolescente querendo fazer um cosplay de super herói negro numa Comic Con ou um Animefest, o ÚNICO personagem negro famoso e protagonista que eu conseguiria fazer a fantasia sem precisar cortar meu cabelo é o Super Choque, e isso é realmente um saco.

¹ Essa informação sobre a Tricia, eu só soube por causa do texto de Silas Teixeira para o site Press Start, que você pode acessar aqui.

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