Não sei bem se queria falar sobre isso (Racismo e Mimimi)



ADVERTÊNCIA:
1 - Esse texto só faz sentido se lido inteiro. Então, por favor, caso for comentar ou emitir algum julgamento, leia-o inteiro.
2 - Esse texto tem MUITA coisa pessoal. Coisas que nunca compartilhei com ninguém além de familiares e amigos bem próximos. Portanto, não estou pretendendo aqui fazer um tratado histórico-sócio-político sobre racismo. Estou falando da minha experiência.

Dito isso, comecemos.


Desde criança, meus super heróis preferidos são os X-Men. Nunca tinha entendido o por que antes, mas acho que desde sempre me identifiquei com eles por serem uma equipe outsider, que faziam parte de uma minoria social e cheio de críticas ao preconceito que só vim a entender depois de grande - e de maneira mais forte ainda nos filmes e nos quadrinhos. Eles foram a primeira grande equipe de super heróis dos quadrinhos que, a partir de 1975, com a primeira Giant Size X-Men, trouxe uma equipe completamente interracial - O norte-americano Ciclope, a africana Tempestade, o canadense Wolverine, o japonês Solaris, o alemão (e azul, peludo com rabo) Noturno - o paradoxo da criatura com aparência demoníaca, mas dócil, brincalhona e religiosa, o indígena Pássaro Trovejante, o russo Colossus e o escocês ruivo Banshee. 
A questão é que eu me identificava.

Eu demorei um tempo bem grande pra perceber as veias mais veladas do racismo em nossa cultura, embora elas estivessem fortemente presentes em minha vida por todos esses anos. 
Costumo dizer, brincando, que tinha toda uma base de quatro colunas pra sofrer bullying na infância: preto, pobre, feio e gordo.

Quem me conhece, sabe que não posso ser chamado com segurança de "politicamente correto". Tem coisa que acho exagerada no discurso em prol do fim do preconceito racial? SIM! Tem muita coisa forçada, tem algumas que acho desnecessárias. Não tenho problemas em relação a certos tipos de humor (certos tipos, não todos), não sou a favor de cotas para afrodescendentes em Universidades (sou a favor de cotas para pessoas que não tiveram uma boa educação), não concordo com tudo o que dizem sobre apropriação cultural... Enfim, todos esses assuntos dão pano pra manga e são coisas que me incomodam no discurso militante.
Porém, isso não dá desculpas para que, ao entrarmos no assunto e defendermos que ainda existe racismo, sejamos taxados de vitimistas. É muito fácil apontar o dedo e gritar: "Vitimista!" sem pensar com empatia nos impactos que tem qualquer tipo de preconceito, bullying e racismo tem sobre uma pessoa - qualquer pessoa.


Alguns dias atrás, estava passeando pela timeline do Facebook e deparei com este vídeo (clique para assistir) que tem muitos traços da cultura de racismo norte-americana, mas que a maioria das situações também ocorrem aqui no Brasil:

Quando criança - e olha que não sou tão velho assim - a cultura passada a mim me ensinou que negros não são pessoas bonitas.
O padrão de beleza era sempre a pessoa com pele clara e cabelos "bons" (leia-se lisos ou no máximo cacheados) - e de preferência com olhos azuis ou verdes.
Consequentemente, além de crescer por muito tempo sem conseguir encaixar pessoas de pele escura, cabelos crespos e narizes achatados no rótulo de "pessoas bonitas", cresci também com a consciência de que eu sou uma dessas pessoas consideradas "não-bonitas".
Isso acaba com a autoconfiança e autoestima de qualquer adolescente.
Fico imaginando como é essa mesma situação para as mulheres, que sofrem com esse negócio de beleza muito mais do que nós homens. A quantidade de tempo e dinheiro gastos por elas em produtos alisantes, escovas e chapinhas, nem sempre por que se sentiam bem assim, mas para que pudessem ser aceitas como mulheres bonitas.

Frases comuns que escutei na vida - nem sempre dirigidas a mim, mas a outras pessoas:
"Nossa, ele é um preto bonito, né?" (Pra quê as especificações? Quer dizer que ele é uma raridade?)
"Ela é negra, mas é bonita!" (A cor da pele define se alguém é bonito ou não?)
"Ele é um médico negro, moça! Um exemplo!" (Ué...)
"Ela é tão bonita né? Olha os cabelos dela como são lisos e pesados, os olhos azuis. E casou com um pretinho!" (E daí?)
"Ela é negra, mas tem o cabelo bom!" (Cabelos crespos são necessariamente ruins?)
"Ele é um negro com traços finos." (Nunca entendi bem essa... Espero que finos tenham a ver com espessura dos traços e não com "fino" no sentido de refinados...)
Frase dita a uma mulher caucasiana que casou com um afrodescendente e tiveram uma filha loira: "Nossa, que menina bonita você tem! Ainda bem que puxou você, né?"
E paro por aqui, senão vai virar um livro.

Mas o assunto em si não para por aí.
Minha prima cabeleireira um dia resolveu fazer experiências comigo e o resultado foi que por alguns anos, eu relaxei o cabelo. Gostava do que eu fazia com ele na época.
As pessoas achavam legal.
Mesmo antes disso nunca gostei de cortar cabelo. Por diversos motivos. Cortar o cabelo pra mim era uma experiência um pouco traumática. E sempre preferi meu cabelo maior.
Então, quando resolvi deixar meu cabelo natural, preferi que ele ficasse maior do que ter o trabalho de ficar cortando. 
Não sei nem se posso dizer que hoje em dia meu cabelo chega a ser um "black power" e nem pretendo deixá-lo muito maior do que já está. Mas aí outras situações como as do vídeo passaram a ser realidade pra mim.
"Como você faz pra deixar ele assim?" (Err... Ele É assim...)
"Nossa, parece um poodle!" (lembrei do Golden Retriever do vídeo rs)
"Por que você não corta ou relaxa o cabelo? Talvez fique melhor!" (Já fiz. Me senti bem na época, mas prefiro assim hoje, obrigado)
"Nossa, corte esse cabelo menino, é feio e deselegante!" (Sim, já ouvi isso. E me pergunto por que é deselegante que eu deixe meu cabelo no comprimento que está, se não é deselegante que alguém com o cabelo liso deixe o cabelo no mesmo comprimento. Será que é por que o deles "cresce pra baixo" e o meu "pra cima"?)
"Olha, cabelo assim não é de Deus não, hein!" (Essa eu prefiro não comentar.)

Aí tem os outros que inocentemente - eu sei que é algo que a pessoa não percebe que está fazendo - e assim como a mulher do vídeo compara a moça com a Jennifer Lawrence, começam a dizer que pareço com todos os famosos negros. Não estou me referindo ao apelido de Tim Maia. Reconheço que minhas semelhanças com o Tim Maia vão além do cabelo e da etnia, embora eu seja bem mais bonito (:P).
Falo de comparações mesmo de antes de deixar o cabelo crescer.
Quando criança já fui o Cirilo do Carrossel, o Neco das Chiquititas, o Saci do Sítio do Pica Pau Amarelo... Participei de poucas peças de teatro na escola... Em uma delas eu era o Macaco, na outra o Saci e na outra o Lobo Mau.
Quando adolescente já fui Will Smith, Cris (Sim, de "Todo Mundo Odeia o Cris")...
Depois que deixei o cabelo crescer, além de Tim Maia já fui Thalles Roberto, JP (aquele menininho de black que fazia novelas na globo e usava uns óculos fashion), Jackson 5... Dentre outros.

Minhas metamorfoses. :D
O negócio não é não gostar de ser comparado a essas pessoas, por que algumas delas eu admiro muito.
A questão é: como desenhista amador que observa bem os traços das pessoas, percebo que geralmente pessoas caucasianas são comparadas com alguém que tem traços parecidos - formato do nariz, cor dos olhos, formato da boca, formato do rosto, desenho das sobrancelhas... 
Agora - assim como asiáticos geralmente são ditos "todos iguais", o que é um erro - fico pensando por que raios nos últimos tempos eu pareço com QUALQUER afrodescendente que tenha um cabelo black (e agora que tenha um bigode). Alguns eu acho que realmente tem semelhanças além do cabelo e da cor da pele, mas outros simplesmente fico: " NÃO, eu NÃO pareço com esse cara...". 
Isso quando não perguntam se sou irmão de alguém que não se parece comigo em nada além da cor de pele e do cabelo. Será que as pessoas não enxergam nada além do cabelo e da cor da pele?
Eu não ligo de forma nenhuma em ter apelidos e ver as pessoas me comparando com cantores famosos, acho divertido. Mas o que isso reflete?
E não é só comigo. Vários amigos, depois que fiz uma postagem "desabafando" sobre isso no Facebook vieram me falar da mesma coisa. Negro, magro, cabelos bem cortados: "Parece o Robinho!", "Parece o Pelé!"... Negra cabelos longos e corpo "grande": "Parece a Beyoncé!".
Lembro de uma amiga que certa vez disse que minha mãe parecia a minha professora de matemática. As únicas semelhanças entre elas eram os cabelos escovados e o fato de que ambas usavam saia jeans com frequência no dia a dia.
Será que isso não é uma consequência da falta de uma real representatividade do negro na cultura pop mainstream "de brancos" (que quando aparece sempre provoca polêmica, vide o Tocha Humana no último filme do Quarteto Fantástico)? Claro, isso está mudando aos poucos, mas ainda é uma área imatura que sempre provoca frisson. 
Será mesmo que não há mesmo o tal racismo/preconceito/generalização sutis e velados nesse tipo de comparação?

Apesar de não acreditar em racismo reverso (sim, há distinção de termos como racismo e preconceito, todas as pessoas - de todas as etnias - sofrem de alguma forma com padronizações, preconceitos e vícios culturais). Até mesmo as pessoas consideradas bonitas no padrão racista sofrem com isso.
Além do que, quem me conhece, sabe que sou defensor da ideia de que as pessoas são únicas, tem problemas individuais e TODAS elas tem problemas, quer façam parte das minorias sociais ou façam parte da elite do status quo atual. TODOS - oprimidos e opressores - são oprimidos de alguma forma e oprimem outros de alguma forma.

E como cristão isso se torna ainda mais evidente diante das verdades sobre o pecado e a graça. TODOS somos pecadores, todos temos a tendência para o mal naturalmente - daí todos somos oprimidos e opressores de alguma forma.
Assim como todos - ricos, pobres, brancos, negros, asiáticos - temos a oportunidade de entregarmos nossos problemas nas mãos de Deus.

Se hoje eu consigo gostar de quem eu sou, se consigo olhar para pessoas negras e avaliá-las como pessoas independente da cor da pele, achá-las bonitas, é por que fui ensinado por Cristo em sua Palavra que, se Deus que é Deus não faz acepção de pessoas, quem sou eu para fazer?
Há uma beleza extraordinária na diversidade racial do planeta. Todos, mesmo que as vezes mutilados - literalmente e simbolicamente - pelas consequências do pecado, foram criados imagem e semelhança de Deus.
Todos tem beleza a ser olhada e admirada.
Todos tem lutas.
Todos pecaram, todos necessitam de graça.
E a graça está disponível para todos.
Todos tem problemas. Todos já tiveram ou ainda têm problemas com a própria aparência, com quem são.

E ao mesmo tempo que isso quebra as pernas do mimimi do "politicamente correto" que me parece uma militância muito rasa e até hipócrita quando comparada à igualdade concedida a nós através de Cristo, também de forma nenhuma dá o direito de deslegitimar o discurso e a luta daqueles que, assim como eu, ainda hoje enxergam o racismo como algo presente, perigoso e que precisa ser combatido com consciência.

E isso vale não apenas para o racismo, mas para o bullying racial (Loira burra, bonitinha mas ordinária, asiáticos são todos iguais, etc), o machismo, dentre outras coisas, que podem ser tudo, menos harmônicos com a palavra de Deus que nós, como cristãos, pregamos.
Meu apelo é para que o tempo inteiro estejamos olhando para Cristo e de acordo com o que ele ensina a respeito das pessoas, que questionemos os valores culturais tão arraigados em nós que nem sempre percebemos que são nocivos.

Como disseram pra gente no dia da foto: "Os teoloblacks" hahaha

"E havia em Cesaréia um homem por nome Cornélio, centurião da coorte chamada italiana,
Piedoso e temente a Deus, com toda a sua casa, o qual fazia muitas esmolas ao povo, e de contínuo orava a Deus.
Este, quase à hora nona do dia, viu claramente numa visão um anjo de Deus, que se dirigia para ele e dizia: Cornélio.
O qual, fixando os olhos nele, e muito atemorizado, disse: Que é, Senhor? E disse-lhe: As tuas orações e as tuas esmolas têm subido para memória diante de Deus;
Agora, pois, envia homens a Jope, e manda chamar a Simão, que tem por sobrenome Pedro.
Este está hospedado com um certo Simão curtidor, que tem a sua casa junto do mar. Ele te dirá o que deves fazer.
E, retirando-se o anjo que lhe falava, chamou dois dos seus criados, e a um piedoso soldado dos que estavam ao seu serviço.
E, havendo-lhes contado tudo, os enviou a Jope.
E no dia seguinte, indo eles seu caminho, e estando já perto da cidade, subiu Pedro ao terraço para orar, quase à hora sexta.
E tendo fome, quis comer; e, enquanto lho preparavam, sobreveio-lhe um arrebatamento de sentidos,
E viu o céu aberto, e que descia um vaso, como se fosse um grande lençol atado pelas quatro pontas, e vindo para a terra.
No qual havia de todos os animais quadrúpedes e feras e répteis da terra, e aves do céu.
E foi-lhe dirigida uma voz: Levanta-te, Pedro, mata e come.
Mas Pedro disse: De modo nenhum, Senhor, porque nunca comi coisa alguma comum e imunda.
E segunda vez lhe disse a voz: Não faças tu comum ao que Deus purificou.
E aconteceu isto por três vezes; e o vaso tornou a recolher-se ao céu.
E estando Pedro duvidando entre si acerca do que seria aquela visão que tinha visto, eis que os homens que foram enviados por Cornélio pararam à porta, perguntando pela casa de Simão.
E, chamando, perguntaram se Simão, que tinha por sobrenome Pedro, morava ali.
E, pensando Pedro naquela visão, disse-lhe o Espírito: Eis que três homens te buscam.
Levanta-te pois, desce, e vai com eles, não duvidando; porque eu os enviei.
E, descendo Pedro para junto dos homens que lhe foram enviados por Cornélio, disse: Eis que sou eu a quem procurais; qual é a causa por que estais aqui?
E eles disseram: Cornélio, o centurião, homem justo e temente a Deus, e que tem bom testemunho de toda a nação dos judeus, foi avisado por um santo anjo para que te chamasse a sua casa, e ouvisse as tuas palavras.
Então, chamando-os para dentro, os recebeu em casa. E no dia seguinte foi Pedro com eles, e foram com ele alguns irmãos de Jope.
E no dia imediato chegaram a Cesaréia. E Cornélio os estava esperando, tendo já convidado os seus parentes e amigos mais íntimos.
E aconteceu que, entrando Pedro, saiu Cornélio a recebê-lo, e, prostrando-se a seus pés o adorou.
Mas Pedro o levantou, dizendo: Levanta-te, que eu também sou homem.
E, falando com ele, entrou, e achou muitos que ali se haviam ajuntado.
E disse-lhes: Vós bem sabeis que não é lícito a um homem judeu ajuntar-se ou chegar-se a estrangeiros; mas Deus mostrou-me que a nenhum homem chame comum ou imundo.
Por isso, sendo chamado, vim sem contradizer. Pergunto, pois, por que razão mandastes chamar-me?
E disse Cornélio: Há quatro dias estava eu em jejum até esta hora, orando em minha casa à hora nona.
E eis que diante de mim se apresentou um homem com vestes resplandecentes, e disse: Cornélio, a tua oração foi ouvida, e as tuas esmolas estão em memória diante de Deus.
Envia, pois, a Jope, e manda chamar Simão, o que tem por sobrenome Pedro; este está hospedado em casa de Simão o curtidor, junto do mar, e ele, vindo, te falará.
E logo mandei chamar-te, e bem fizeste em vir. Agora, pois, estamos todos presentes diante de Deus, para ouvir tudo quanto por Deus te é mandado.
E, abrindo Pedro a boca, disse: Reconheço por verdade que Deus não faz acepção de pessoas;
Mas que lhe é agradável aquele que, em qualquer nação, o teme e faz o que é justo."

Atos 10:1-35


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